Viver pelo bem que existe no mundo!

Na verdade nem deveríamos estar aqui, mas estamos. São como nas grandes histórias. As que tinham mesmo importância. Eram repletas de escuridão e perigo. E às vezes, você não queria saber o fim.... Porque como podiam ter um final feliz? Como podia o mundo voltar a ser o que era depois de tudo isso? Mas, no fim, é só uma coisa passageira, que logo se transformará. Um novo dia virá. E quando o sol brilhar, brilhará ainda mais forte. Eram essas as histórias que ficavam nas lembranças, que significavam algo. Mesmo que você fosse pequeno demais para entender o por quê. Mas acho, que entendo, sim. Agora eu sei. As pessoas dessas histórias tinham várias oportunidades de voltar atrás mas não voltavam. Elas seguiam em frente, porque tinham no que se agarrar. - E nós, no que devemos nos agarrar? No bem que existe nesse mundo, pelo qual vale a pena lutar. Senhor dos Anéis.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

O PROFETA

Gibran Khalil Gibran
Da chegada do navio: www.youtube.com/embed/3ky4x_Iiw2I

Este Livro Eletrônico, além de uma leitura deliciosa, oferece um enriquecimento espiritual e uma visão de beleza inigualáveis. Contém a essência da sabedoria oriental captada e transmitida por Khalil Gibran neste livro fascinante. Sua leitura não lhe tomará mais do que alguns “minutinhos” de cada vez, mas seus pensamentos estimulantes o acompanharão por muito tempo.
Nestes tempos modernos em que o egoísmo exacerbado, a concorrência feroz, o automatismo, a solidão moral, a insensibilidade, a violência afetam muito mais nossas almas do que
nossos corpos, a leitura deste Livro é uma fonte inesgotável de inspiração e de serenidade.
Gibran, no dizer de Austregésilo de Athaide “é um desses mestres da sabedoria que ensinam a arte de viver pela conquista da paz interior nutrida na contemplação da beleza, num estilo ao mesmo
tempo cheio de vida e simplicidade, cuja fonte é a natureza em suas inspirações mais límpidas e amáveis.”
Tudo isto é o que lhe oferece este pequeno livro, único e incomparável, além de uma atmosfera elevada onde nos sentimos superiores a todas as misérias e também o conforto moral
numa época de angústia e perplexidade. Esperamos que ele seja do seu agrado e lhe sirva para trazer um pouco mais de luz à sua vida. Um livro que inspira e reconforta numa época de perplexidade.

DA CHEGADA DO NAVIO
AL-MUSTAFA, o Eleito e o Bem-Amado, que era uma aurora em seu próprio dia, esperava havia doze anos, na cidade de Orphalese, o regresso de seu navio que o levaria de volta à ilha onde nascera.
E no ano décimo segundo, ao sétimo dia de Ailul, o mês da colheita, galgou o monte fora da cidade e olhou para o mar; e deparou com o navio chegando com a névoa.
Então, as portas de seu coração abriram-se, e sua alegria voou longe sobre o mar. E, fechando os olhos, orou no silêncio de sua alma.
Mas ao descer o monte, foi invadido pela tristeza, e pensou no seu coração:
“Como poderei ir-me em paz e sem pena? Não, não será sem um ferimento na alma que deixarei esta cidade.
Longos foram os dias de amargura que passei dentro de suas muralhas, e longas as noites de solidão; e quem pode despedir-se sem tristeza de sua amargura e de sua solidão?
Muitos foram os pedaços de minha alma que espalhei nestas ruas, e muitos são os filhos de minha ansiedade que caminham, desnudos, entre estas colinas, e não posso abandoná-los sem me sentir oprimido e entristecido.
Não é uma simples vestimenta que dispo hoje, mas a própria pele que arranco com minhas mãos.
E não é um mero pensamento que deixo atrás de mim, mas um coração enternecido pela fome e a sede.
Contudo, não posso demorar-me por mais tempo.
O mar, que chama a si todas as coisas, está-me chamando, e devo embarcar.
Pois permanecer aqui, enquanto as horas se queimam na noite, seria congelar-me e cristalizar me num molde.
De bom grado levaria comigo tudo o que aqui está. Mas como fazê-lo?
A voz não leva consigo a língua e os lábios que lhe deram asas.
É isolada que deve procurar o éter.
É também só, e sem o ninho, que a águia voa rumo ao sol.”
E quando atingiu o sopé da colina, virou-se novamente para o mar e viu seu navio aportar e, no convés, agruparem-se os marinheiros, os homens de sua terra natal.
E sua alma gritou e disse-lhes:
“Filhos de minha velha mãe, que correis na crista das vagas impetuosas.
Quantas vezes navegastes nos meus sonhos. E agora chagais ao meu despertar, que é meu sonho mais profundo.
Disposto encontrais-me a partir, e minha impaciência, de velas desfraldadas, está à espera do vento.
Tomarei apenas mais um hausto de ar neste recanto sereno, volverei para trás somente mais um olhar afetuoso.
E, logo após, juntar-me-ei a vós, marujo entre marujos.
E tu, vasto mar, mãe sempre acordada, Que, sozinho, és paz e liberdade para o rio e o regato,
Uma só volta fará ainda esta corrente, um só murmúrio sussurará ainda nesta clareira, Depois, virei a ti, gota ilimitada a um oceano ilimitado.”
E enquanto caminhava, viu homens e mulheres abandonando suas hortas e vinhedos e apressarem-se rumo às portas da cidade.
E ouviu-os chamarem seu nome e anunciarem de campo a campo, uns aos outros, a chegada de seu navio.
E disse consigo mesmo:
“Será, acaso, o dia da separação o dia do encontro? E será dito que meu anoitecer era, na verdade, minha aurora?
E o que oferecerei àquele que deixou seu arado no meio do rego e àquele que imobilizou a roda de seu lagar?
Converter-se-á meu coração numa árvore de abundantes frutos que colherei e lhes
distribuirei?
E correrão meus desejos como um manancial onde lhes encherei os copos?
Sou, acaso, uma harpa para que em mim toque a mão do Onipotente, ou uma flauta para que Seu sopro me atravesse?
Um ser em procura de silêncios, eis o que sou, e que tesouros tenho descoberto nos meus silêncios que possa distribuir com segurança?
Se este é o dia de minha colheita, em que campos plantei a semente, e em que estações esquecidas?
Se esta é, na verdade, a hora de levantar minha lanterna, a chama que nela brilhará não será minha.
Vazia e apagada erguerei minha lâmpada.
E o guardião da noite a abastecerá de azeite e a acenderá também.”
Essas coisas, ele as expressou em palavras. Mas muitas outras permaneceram inexpressas no seu coração. Pois nem ele podia externar seu segredo mais profundo.
E quando entrou na cidade, o povo inteiro o recebeu, e todos estavam clamando seu nome numa só voz.
E os anciãos da cidade aproximaram-se e disseram:
“Não nos deixes ainda.
Foste um meio-dia em nosso crepúsculo, e tua juventude deu-nos sonhos para sonhar.
Não és um estrangeiro nem um hóspede entre nós, mas nosso filho e nosso bem-amado.
Não condenes ainda nosso olhar a sofrer a fome de tua face.”
E os sacerdotes e as sacerdotisas disseram-lhe:
“Não consintas que as ondas do mar nos separem e que os anos que conosco passaste se tornem uma lembrança.
Andaste entre nós como um espírito, e tua imagem tem sido uma luz que nos iluminou as faces.
Muito te temos amado. Mas silencioso foi nosso amor, e com véus tem estado coberto.
Agora, porém, ele grita e chama-te em alta voz e quer revelar-se a ti.
Pois assim tem sido sempre com o amor: ele só conhece a sua profundidade na hora da separação.”
E outros vieram também e imploraram-lhe. Mas ele não lhes respondeu. Baixou apenas a cabeça. E os que o rodeavam viram lágrimas caírem sobre seu peito.
E caminhando com o povo, chegou à grande praça em frente ao templo.
E uma mulher chamada Almitra saiu do santuário. E ela era vidente.
E ele a encarou com excessiva ternura, pois fora ela a primeira a procurá-lo e nele crer no dia de sua chegada à cidade.
E ela o saudou, dizendo:
“Profeta de Deus em procura do infinito, quantas vezes sondaste as distâncias à espera de teu navio.
E agora teu navio chegou, e tu deves partir.
Profunda é tua nostalgia pela pátria de tuas recordações e a morada de teus desejos maiores; e nosso amor não te quer prender, nem nossas necessidades te reterem.
Uma coisa, porém, pedimos-te: antes de nos deixares fala-nos e dá-nos de tua verdade.
E nós a transmitiremos a nossos filhos, e eles a transmitirão aos seus filhos, e ela não perecerá.
Na tua soledade, vigiaste por nossos dias e, na tua vigília, escutaste os gemidos e os risos de nosso sono.
Agora, revela-nos a nós próprios, e conta-nos o que te foi dado descobrir do que existe entre o nascimento e a morte.”
E ele respondeu:
“Povo de Orphalese, de que poderia falar-vos senão do que está agora se movendo dentro de vossas almas?”

El Profeta. Com Facundo Cabral: www.youtube.com/embed/rsLwfRuv8q0